Tendo recebido de amigos, perguntas e
questionamentos sobre minha moradia aqui nos Estados Unidos, decidi escrever alguns
atinos e desatinos sobre minhas percepções.
Moro nos Estados Unidos há 8 anos (2 anos como
assistente de pesquisa em um Laboratório de Antropologia na Universidade do
Arizona; 1 ano como professora visitante na Universidade do Texas em Austin e 5
anos com meu esposo e filho na Carolina do Sul, como esposa, mãe, recentemente blogueira,
coordenadora das coisas de casa... e outras mil funções)
Obviamente outros falarão com mais propriedade do
assunto. Mas do que vivi, vejo... deixo dito:
1. Sobre o ‘pacto
social’. Isso mesmo o pacto social pensado por Rousseau, onde o fundamento
da ordem social, não vem do direito natural, nem da força, mas de uma convenção
social.
Nos Estados Unidos me parece que as pessoas
acreditam mais no Pacto Social, onde, ainda que não uniformemente, ‘todos tem
direitos’. A conquista dos direitos para esse povo é fato consumado, e há que
se buscar novos e melhores direitos sempre.
No Brasil, como nosso pacto social, é muitas vezes
seletivo, não temos a mesma atitude de luta. Sabemos que uns pensam ter mais
direitos que outros e os ‘cheios de direitos’ apelam constantemente para isso.
O fato é que, o pacto social ‘frouxo’ pode gerar um grupo de ‘folgados’ onde as
leis são estabelecidas, mas não são cumpridas.
Um exemplo simples e talvez até simplificador...
Nos Parques da Disney, lugar bem visitado pelos
brasileiros, pude perceber isso: não sendo possível entrar com ‘carrinhos de
crianças’, você, ‘estaciona’ o mesmo, em um lugar determinado e segue. Os
americanos deixam praticamente tudo nos carrinhos (confiam no pacto social), os
brasileiros levam tudo (nem precisa dizer o porque).
Os americanos estacionam o carrinho onde houver
espaço (ainda que seja no sol ou na chuva), os brasileiros tiram, jogam,
chutam, derrubam os carrinhos de outras pessoas porque querem o melhor lugar.
(E como não tem ninguém olhando...)
Aconteceu comigo. Na primeira vez que vi uma pessoa
literalmente jogando o carrinho do David (meu filho) no chão, fiquei chateada,
e quando fui lá para levantar o carrinho ouvi:
A
dona do carrinho chegou.
E
eu com isso? Essa indiana lá sabe o que estou falando, como é que vai reclamar?
E assim de indiana, eu mudei o carrinho de lugar.
Evitei discutir, porque há certos aborrecimentos que não quero para mim. Pela
educação da moça, não tinha argumento que eu pudesse usar.
Na segunda vez não vi o acontecido, mas pensei ter
perdido o carrinho, porque não o encontrava em lugar nenhum... Falei com um
jovem que monitorava a fila de entrada em um evento do parque e ouvi:
alguns
brasileiros estavam mudando os carrinhos dos lugares de novo…
Em
inglês eu perguntei, - porque o parque não monitora isso?
Já
está sendo visto, vamos colocar segurança para os estacionamentos de carrinhos.
Que
bom!!! Assim fica todo mundo feliz!
Depois de se desculpar e me dar passes para entrar
em algumas atrações sem fila, o jovem me ajudou a procurar o carrinho que
estava em outro estacionamento... segui meu caminho.
Aconteceu ainda uma terceira vez (isso em 5 dias de
visita aos parque), vi a jovem empurrando meu carrinho para o sol, e colocando
o dela lá. Dessa vez, fui lá e disse em alto e bom tom: Excuse me!!! E coloquei
o carrinho de volta. Ela fingiu que não entendeu, mas disse para a companhia
dela: Mulher Grossa!!! Eu fui chamada de grossa, dá para entender?
Sim já voltei aos Parques depois desses episódios e
pelo menos nas atrações mais populares para crianças há (porque será?) um
organizador no estacionamento de carrinhos que fala português.
Falo desse fato, mas acontece ainda o famoso ‘furar
de filas’, o ‘empurrãozinho’ para encontrar o melhor lugar para ver o desfile
de rua e o falar mal das pessoas (roupas, cabelo, sapatos... ) como se ninguém
mais entendesse português.
2. Competitividade.
A competitividade é outra coisa interessante. A comunidade de brasileiros se
une em eventos de lazer e se você não faz parte do clube dos que amam festa,
vai ficar isolada. Não há (na minha percepção) um meio termo, um sentimento de
pertença, de nacionalidade... (salvo os jogos da copa)
Nas viagens que fiz percebi que, nem sempre
encontrar um brasileiro é sinal de alegria, a não ser que você faça parte do
clube... do clube dos ricos, dos que se vestem na moda, dos que bebem, dos que
criticam tudo e todos... então nesse sentido, sou uma outsider.
3. Entusiasmo.
Tinha quase esquecido como somos entusiasmados pela vida, quase sempre
interrompendo a outra pessoa antes dela terminar de falar e nem sempre aceitando argumentos contrários. Felizmente há exceção.
4. A vaga
distinção entre público e privado. Obviamente em espaço público há que se
respeitar as outras pessoas ainda que não faça parte do seu desejo. Me parece
as vezes, que as pessoas esquecem que vivemos em comunidade.
5. Educação.
Obrigada, obrigado, por favor, boa tarde... estão se perdendo na nossa fala.
Uma brasileira vendo que meu filho de 4 anos usar
constantemente as palavras: thank you, please, excuse me... me disse:
Acho
tão aborrecido esse costume dos americanos de agradecer e pedir por favor por
tudo.
Eu
fiquei em silêncio. Dizer o que? Essa mesma brasileira reclama que sofre
preconceito por parte dos americanos porque é brasileira.
Eu
particularmente penso que sente uma certa ‘frieza no trato’ por ser considerada
uma pessoa rude e não por ser brasileira. Talvez eu seja uma pessoa
abençoadamente distraída, mas não lembro de ter sofrido preconceito por conta
da cor da minha pele, ou meu sotaque, ou latinidade...
6.
Comida. Em tempo: a comida americana
é também fast food. Mas como em todo lugar do mundo, o valor da comida está
(infelizmente) agregado ao preço que você pode pagar. Na cidade onde moro tem
restaurantes cubanos, mexicanos, tailandeses, japoneses, brasileiros, para
citar alguns. E os restaurantes americanos? eu particularmente Gosto de Red
Lobster, Outback e da fast food KFC.
7.
Vestimenta. Gente arrumada
encontramos em todos os lugares do mundo. Desarrumadas, ainda mais. O fato é
que aqui, dependendo da forma como você se coloca (fala, age, interage), as
pessoas se preocupam menos com sua roupa. Não me vejo indo deixar meu filho na
escola (morando no Brasil), vestida informalmente. Ainda se percebe em alguns
lugares do Brasil: ‘você é o que você veste, e que seja de grifes exclusivas. Pode
ser até de mau gosto e de preferência bem caras’.
Não
faço parte do time dos ‘arrumados’, me visto com simplicidade e ainda não senti
nenhum tipo de preconceito nas lojas, supermercados, restaurantes, escolas...
No
Brasil, entrei em um loja... e ouvi da vendedora:
A promoção é aqui! (como já sabia o que queria, terminei minha compra, paguei a
vista e sai da loja, mais tarde escrevi para a gerência sugerindo treinamento
para as vendedoras.)
Outra
vez ouvi:
Só
parcelamos em até 3 vezes! (Como eu não havia perguntado, pensei não ter
entendido, mas a vendedora frisou o Só parcelamos... mais uma vez)
E ainda:
Temos peças mais baratas!!!
Na verdade o que percebo é que as vendedoras estão
tentando ajudar, e querem vender... o que dizem não me aborrece tanto quando a
falta de treinamento da gerência das lojas.
8. Carro.
No Brasil sempre dirigi um Ford Ka, carro de minha preferência; fácil de
estacionar, de manobrar e limpar. Aqui dirijo um Honda de 7 lugares, como podem
perceber me adapto.
Quantas ‘brincadeiras’ ouvi com minha falta ‘de bom
gosto’ para carro. A mais aborrecida ouvi de uma pessoa a quem ofereci carona
para um evento. Detalhe, ela não estava podendo dirigir e o evento ia ser em um
hotel de ‘luxo’ em Fortaleza. Ela disse:
Eu?!!! Chegar de Ford Ka no evento? Nunca!!! Carro
de pobre.
Detalhe que eu sabia... meu Ford Ka era do ano e
comprado a vista, o carro dessa pessoa, foi comprado em 60 prestações e ela
ainda estava pagando.
Ainda encontramos pessoas que lhe valorizam pelo
carro que você dirige, ainda que na verdade, esse carro seja da financiadora.
9. Honestidade.
As vezes ser honesto é sinônimo se ser bobo. No Brasil, a coisa se acentua. Aqui
há muitos desonestos. A presença desta figura está em todo lugar do mundo, mas
normalmente não se exalta essa atitude, é algo velado. No Brasil, percebo, as
vezes, que é motivo de conversa e muita
piada.
Quando jovem, fui passar um tempo na Itália. Éramos
um grupo de 4 jovens passeando em uma tarde de verão em uma cidadezinha pequena
(na região de Toscana). Nos deparamos com uma sorveteria com o Honor System, ou
seja, o que você consumir, você paga. Não há uma pessoa na loja, não há
câmeras, o que há é a confiança de que
você é honesto. Pegamos cada uma, um gelatto. Na hora de pagar, duas de minhas
colegas decidiram pela desculpa: ‘o país é rico, um picolé não vai fazer
falta’.
Para mim é claro. Eu consumi, eu vou pagar. Não
importa quem é rico, quem é pobre. É uma questão de educação.
Aqui nos Estados Unidos quando morei como estudante
as coisas não eram fáceis. O dinheiro era pouco e muitas vezes comi fast food.
Uma colega brasileira me convidou para irmos a um
supermercado. Na hora de pagar ela escolheu uma caixa brasileira. Elas tinham um
esquema. Nem todos os produtos a moça passava o código de barra, diminuindo assim
o número de produtos e consequentemente o valor da compra.
Depois minha colega explicou que podia colocar
algumas coisas para mim em seu supermercado. Eu agradeci a gentileza, mas não
participaria da lógica, ‘o supermercado é rico’.
Vi e ouvi muitos ‘esquemas’ e não critico a escolha
das pessoas, até porque cada uma é livre para agir como quiser. Infelizmente
não podemos cobrar da sociedade, o que não damos.
Sim como uma exilada da minha Pátria, por escolha
de casamento, sou feliz. Amo o Brasil. A terra, a natureza, a música, a comida,
a língua... sinto falta da família, dos amigos, dos colegas, quero que o meu
filho fale português e ame o Brasil.
Mas não sinto falta da excessiva familiaridade dos
estranhos, da desumanidade disfarçada (normalmente dos mais ricos, mas também
das pessoas pobres), do fingimentos dos ‘amigos’; da escolha consciente de ser
rude, do desrespeito pela classe trabalhadores, da constante mania de burguesia
e for last but not least, das pessoas que reclamam do Brasil e não agem de acordo
com suas reclamações. (furam fila, maltratam o garçom, não cumprimentam os
colegas de trabalho; levam vantagem sempre que podem, não respeitam horários e
acham elegante reclamar de tudo).
Vou seguindo com a esperança de que isso mude e que
os brasileiros comecem a viajar mais, reclamar menos e a se olhar com a mesma
intensidade com que olham os defeitos dos outros.
Sei que generalizar é a arte do erro. Com esses pontos, não pretendi comparar os países, as pessoas,
mas compartilhar algumas impressões de quem sabe que em todos os lugares do
MUNDO há dificuldades. Cabe a você, a
mim, nos adaptarmos.
Enquanto isso, como ‘outsider’ sou feliz aqui.
Nunca ‘compreenderei’ totalmente essa cultura, não nasci aqui, não sei as
canções de crianças, muitas vezes não entendo quando contam uma piada, estou
sempre perguntado, aprendendo... faz parte e não me sinto excluída por não
entender de tudo, vejo como uma oportunidade de ler mais, de ouvir mais... Sou
brasileira e de lá tenho minhas origens na pele, no coração, na memória.
Aqui, país que vivo, sou feliz, não sei se mais ou menos se morasse no Brasil, pois como diz Mia Couto escritor moçambicano, ‘O importante
não é a casa onde moramos. Mas onde, em nós, a casa mora.’