Outras ainda, mais misteriosas e
extraordinárias, queixam-se de não ter nada que fazer. Quando lhes aparecem alguns dias ou horas em branco, resmungam
contra a brancura desses dias e horas.
Quando lhes dão o dom da solidão, que é o dom da liberdade,
rejeitam-no e destroem-no deliberadamente com qualquer coisa (…).
Falo apenas por mim; sei que é preciso de tudo para
fazer um mundo, mas não posso deixar de estremecer quando vejo as pessoas deitarem
à rua as suas férias duramente ganhas, como impelidas pela irresistível
obrigação de fazer qualquer coisa.
Pelo que
me diz respeito, posso dizer que nunca tive o bastante nada que fazer. Sinto como se nunca tivesse tido o ócio preciso para
desembrulhar uma décima parte da bagagem da minha vida e dos meus pensamentos.
Não é necessário dizer que não há nada de
particularmente misantrópico no meu desejo de isolamento, muito pelo contrário. Na minha adolescência, como disse, fui
algumas vezes, e numa direção bastante ruim, um isolado da sociedade. Mas, depois de adulto, nunca mais me senti tão sociável
como quando só.
G.K. Chesterton, Autobiografia, cap. X - Amizades
e folias, 243 p.
Gilbert Keith Chesterton, (Londres, 29 de maio de 1874 –
Beaconsfield 14 junho de 1936), conhecido como G. K. Chesterton foi jornalista,
poeta, historiador, teólogo e ensaísta.